02.11.2010 - 07:30 Por Luísa Pinto. Jornal Público
As negociações
sobre o Orçamento
do Estado eram inconclusivas. E já o ex-juiz do Tribunal de Contas defendia que
as parcerias público-privadas (PPP) não são recomendáveis para o Estado, porque
este, com 18 anos de experiência, teima em não as saber negociar.
Diz-nos no seu livro que o modelo de Parceria publica privada (PPP) foi “banalizado” e, em vez de se restringir a áreas estratégicos, está também “em projectos de índole paroquial”, como o metro sul do tejo. Devemos todos estar contra as parcerias público-privadas?
Não tenho nada contra as parcerias, se elas tivessem sido bem negociadas na
época das parcerias tinha sido um excelente instrumento. Hoje não são
recomendáveis para o Estado. Porque estão mais caras, menos competitivas e
acarretam mais riscos para o concedente público. As parcerias estão mais caras
porque os bancos financiadores hoje querem taxas mais elevadas de remuneração.
Estão menos competitivas porque esses mesmos bancos só aceitam financiar PPP
quando o sector público assume riscos que na figura original eram típicos do
parceiro privado – riscos de financiamento e riscos de procura. Quando o Estado
lança agora uma PPP não pode esperar que os bancos financiadores prescindam das
garantias da parte do sector público para as financiar. Se o Estado der
satisfação a essas condições, a banca prefere desviar os seus fundos
disponíveis para PPP que são garantidas pelo Estado, do que canalizá-las para a
economia real, para as PME e famílias.
Refere, ainda, que das mais 100 auditorias que realizou a contratos do
Estado (empreitadas e PPP) apenas numa delas concluiu não ter havido uma gestão
ruinosa. Qual é o vício maior destes contratos?
Não acontece em todos, mas é o que acho mais grave: o facto de, sucessivamente,
os riscos de tráfego, os riscos comerciais terem vindo a ser progressivamente
assumidos pelo Estado, enquanto que as taxas de rentabilidade das empresas
concessionárias accionistas se mantém inalteradas. Quem faz o negócio mal, quem
não defende os interesses dos contribuintes, é o estado negociador. Porque as
empresas privadas procuram, legitimamente, na minha opinião, o melhor negócio
para os seus accionistas. E é isto que distingue o Estado negociador, nas PPP,
da banca ou dos consórcio privados que com o Estado negoceiam.
Tendo uma experiencia de 18 anos, o Estado não tinha obrigação de estar a
fazer cada vez melhor? Curiosamente, foi a um dos mais recentes que auditou, o
do terminal de contentores de Alcântara, que acabou por apelidar de manual de
más práticas.
É algo que me deixa perplexo. Sou auditor publico, técnico, professar de finanças publicas. Portanto, relato aquilo que vi. Não faço juízos, nem levanto suspeiçõessobre ninguém. Depois de 18 anos (e encontra isso, de novo, no último relatório de OE) lá vem a intenção pia – porque é uma pia intenção - de criar uma unidade de apoio para a preparação e lançamento e negociação de PPP.
Durante estes 18 anos, o Estado viveu, em matéria de apoio para preparar,
lançar e negociar PPP com recurso a consultores externos, pagos a peso de ouro.
A experiência adquirida por esses consultores externos não fica no Estado, fica
no sector privado, à custa dos contribuintes. Mas hoje, e digo-o com
conhecimento de causa, há técnicos reputadíssimos na unidade de PPP da
Parpública, no GASEPC, que funciona junto da Direcção Geral de Tesouro e
FInanças e ainda na Caixa Geral de Depósitos.
Porque a CGD aparece em algumas PPP como banco financiador, mas também
participando no capital dos consórcios.
Porque acha que não avança?
Não constituir esta unidade é uma coisa inexplicável. Há 15 anos que o TC
recomenda ao Estado que acumule dentro do sector público o conhecimento que tem
pago a peso de ouro. Há ainda outro efeito pernicioso que às vezes é esquecido.
A consultoria externa tem ajudado o Estado na preparação, no lançamento e na
negociação das parcerias. Mas não encontra esses consultores externos a entrar
numa outra fase que é indispensável dado o volume de PPP que há em Portugal, a
fase de monitorizar e fiscalizar a execução das PPP.
Para além de suspender o avanço de novas parcerias, o estado também devia
rever as que já tem em curso?
Eu defendo que todos os contratos de PPP que estão em execução e nos quais seja
manifesto o desequilíbrio em desfavor do Estado devem ser renegociados. O
Estado deveria publicamente dizer que os iria tentar renegociar com os
privados, mesmo que juridicamente nao alcançasse êxito. Seria um exemplo que
dava de querer chamar todos a contribuir para o saneamento das contas públicas.
Num momento em que sob pressão de Bruxelas e dos credores internacionais, todos
os portugueses são chamados, com sacrifícios tremendos, a participar no
saneamento das contas publicas, não fiocará mal que o estado convença os
financiadores e os consórcios das PPP a darem uma quota parte para o saneamento
das contas publicas.
Quais são mais urgentes renegociar?
Contratos com taxas internas de rentabilidade para os accionistas que são
suportadas por um Estado que suporta ainda os riscos de financiamento e riscos
de procura. O ultimo que auditei, o do terminal de Alcântara, tinha uma Taxa
Interna de Rentabilidade (TIR) accionista aceite pelo concedente de quase 14
por cento. As propostas começaram pelos 11 por cento. Mas aquela que foi aceite
na proposta final de quase 14 por cento. E o risco da procura está quase todo
do lado do Estado.
Esse contrato já foi revogado pela assembleia.
Mas encontramos fenómenos
semelhantes a esse em todas as subconcessões rodoviárias, e nomeadamente nas
scut. O risco de tráfego nas scut, era em parte substancial das
concessionárias. Agora, com as rendas fixas, e com as concessionarias a ser
pagas por disponibilidade da infra-estrutura, o risco desapareceu. Estes
contratos foram assinados sem alteração da TIR accionista, e ainda dando alguma
coisa a mais aos concessionários, os contratos de cobrança de portagens. São
dez milhões de euros por ano, só nas três que já têm portagem.
Ouviu a proposta do Governo de avançar com o novo aeroporto atraves de uma concessão e não em PPP? Que comentarios lhe mereceu?
Ouviu a proposta do Governo de avançar com o novo aeroporto atraves de uma concessão e não em PPP? Que comentarios lhe mereceu?
Não posso tirar
outra conclusão que não esta. É o reconhecimento público daquilo que venho
dizendo desde 2008, que as PPP estão mais caras, não são competitivas,
acarretam maiores risco. No regime de concessão ou aparece um privado que quer
correr o risco ou o projecto não avança.
E relativamente à alta velocidade, face aos compromissos que já foram assumidos
- os contratos assinados, e os acordos de financiamento comunitários. Será
sempre mais vantajoso não avançar com eles? O TC ainda não deu o visto
prévio...
Se falamos do contrato de Poceirão-Caia estamos a falar de um
contrato de cerca de 1500 milhões de euros, que vai pagar a exclusiva
responsabilidade de construção e manutenção, porque não interessa que comboios
lá passam, receberá uma renda garantida. Mas a experiência demonstra que os
1500 milhões são apenas o custo do investimento a preços correntes, porque, em
regra, o custo do project-finance, que é o instrumento de realização da
parceria acaba por custar duas ou três vezes mais.
O projecto não deve avançar?
O projecto não deve avançar?
As boas práticas internacionais recomendam que as PPP sejam usadas so em
projectos onde haja amplo consenso nacional, o que não existe manifestamente
neste caso. E ha um segundo aspecto. Os encargos com PPP já assumidos e
relegados para as gerações futuras, para além de não estarem detalhada e
rigorosamente assumidos com clareza pelo Estado, do ponto de vista técnico, não
estão avaliados na sua sustentabilidade económica, financeira e fiscal para as
gerações futuras.
Trazer encargos suplementares aos que já existem, e que são reconhecidamente considerados como excessivos, é algo que devia fazer meditar o Estado.
Das três funções da gestão financeira pública, onde é que o Estado falha mais? Na previsão, na execução ou no controlo interno?
Trazer encargos suplementares aos que já existem, e que são reconhecidamente considerados como excessivos, é algo que devia fazer meditar o Estado.
Das três funções da gestão financeira pública, onde é que o Estado falha mais? Na previsão, na execução ou no controlo interno?
Onde está o sector
público, e falando só do que eu auditei, não há parceria que não derrape, e é
sempre na casa das centenas de milhões; não há grande obra pública nem grande
evento que não derrape. Mas, mais grave ainda, quando chegamos ao Orçamento de
Estado, que é o mais importante documento do sector público temos dificuldade
em perceber, e os credores internacionais também não compreendem, como é que as
previsões falham e a execução falha muitas vezes estrondosamente. No caso do OE
de 2009, quando em Março ou Abril foi conhecido que o défice publico era de 9,4
e os responsaveis pelas previsões e pela execução disseram que estavam muito
supreendidos. Eu sou faço esta pergunta: numa grande empresa privada, o que é
que acontecia?
Falta responsabilização?
A palavra responsabilidade é inerente a quem exerce cargos em representação do
contribuinte e a quem gere um bem escasso como é o dinheiro, ainda por cima
amputado coactivamente ao cidadão contribuinte. Quem a exerce tem a obrigação
indeclinável de contar a verdade, com transparência, Não deve apenas apresentar
o resultado contabilístico de uma gestão. Tem de dizer o que se gastou, porque
se gastou, quanto é que se vai gastar, quanto é que vai custar. E não com
frases de retórica politica, mas com explicações acessíveis ao cidadão médio,
que é quem paga a grande factura do despesismo do Estado.
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